Companheiros indispensáveis

Clara Lila Gonzales de Araújo

“[...] o Espírito da criança pode ser muito antigo e que traz, renascendo para a vida corporal, as imperfeições de que se não tenha despojado em suas precedentes existências.” (O Evangelho segundo o Espiritismo, cap. VIII, item 3, ed. FEB.)


Ensina-nos a Doutrina Espírita que o filho que não se afina com os nossos ideais, decepcionando-nos quanto à conduta em desacordo com a educação e os cuidados amorosos e sinceros que lhe dispensamos – o que o faz distanciar-se da harmonia doméstica que erigimos com tanto esforço – é um companheiro ou companheira de outras existências terrestres a exigir-nos enormes desvelos, por meio de novas experiências materiais, para cumprimento dos desígnios divinos, necessários, a bem dele, visto que a passagem pela Terra lhe auxilia o desenvolvimento moral e intelectual.

Esses Espíritos, que acolhemos jubilosos em nossos lares, mas que nos tornam inseguros sobre os cuidados a se ter para com eles, são chamados de filhos diferentes, de filhos rebeldes ou de filhos-problemas, sem que tenhamos necessidade de deixar-nos envolver pelo desespero ou pela amargura por vê-los escolher caminhos, nem sempre compatíveis com os preceitos de justiça e amor ao próximo que lhes aplicamos. São “[...] filhos que se fizeram enigmas”, no entender do Espírito Emmanuel, e, “à vista disso, é natural que muitas vezes o [nosso] procedimento diante deles assuma aspecto de exceção”.1 Os pais devem assumir atitudes especiais, como prova de amor – um amor de qualidade singular – e demonstrar esse sentimento, mesmo quando eles não consigam manifestá-lo em troca, sem compreender o carinho oferecido pelos genitores para neutralizar conflitos familiares, nos quais o uso da agressividade poderia significar a extrema falta de amor entre eles.

Ao analisar problemas torturantes de peculiares obsessões no corpo de carne, o Espírito André Luiz, em conversação com o assistente Barcelos, da turma de servidores atendentes de Espíritos insanos, traz importante colaboração do instrutor, sobre o assunto: [...] Os antagonismos domésticos, os temperamentos aparentemente irreconciliáveis entre pais e filhos, esposos e esposas, parentes e irmãos, resultam dos choques sucessivos da subconsciência, conduzida a recapitulações retificadoras do pretérito distante. Congregados, de novo, na luta expiatória ou reparadora, as personagens dos dramas, que se foram, passam a sentir e ver, na tela mental, dentro de si mesmas, situações complicadas e escabrosas de outra época, malgrado os contornos obscuros da reminiscência, carregando consigo fardos pesados de incompreensão, atualmente definidos por “complexos de inferioridade”.

Identificando em si questões e situações íntimas, inapreensíveis aos demais [...] requerendo o concurso de psiquiatras e neurologistas, que, a seu turno, se conservam em posição oposta à verdade, presos à conceituação acadêmica e às rígidas convenções dos preceitos oficiais [...].2 Sem esquecer que o reduto familiar é crisol reparador e sublime para os resgates que amealhamos, devemos ter resignação e coragem, na busca das melhores soluções que permitam ajudar a esses Espíritos reencarnados, com quem assumimos compromissos inadiáveis para promover, essencialmente, uma educação que ataque com veemência certos problemas de conduta surgidos na infância, entre eles: desobediência, cólera, insolência, preguiça, ciúme excessivo, maus modos, arrivismo, maldade etc. impedindo-os de praticá-los desde cedo.

A omissão dessa verdade irá nos custar provas difíceis que haveremos de enfrentar quando se tornarem adultos. Crianças são argilas maleáveis; vamos moldá-las descobrindo suas necessidades e estimulando suas aptidões. Por que não transmitirmos aos filhos, na fase adequada da meninice, os ensinamentos esclarecedores da Doutrina Espírita, orientando-os, de acordo com a sua compreensão? Somos espíritas e não podemos ter dúvidas quanto à importância dos preceitos doutrinários para aprendermos a viver; não dar à prole a chance de conhecê-los na puerícia seria negligenciar a nossa missão de pais! Dizem os Espíritos superiores que “o Espírito, durante esse período, é mais acessível às impressões que recebe, capazes de lhe auxiliarem o adiantamento, para o que devem contribuir os incumbidos de educá-lo”.3

No entanto, as imperfeições que geram os defeitos em nossos filhos devem ser avaliadas com desvelo e cuidado para não considerarmos todas as manifestações indevidas da criança, ao expressar formas particulares e aberrantes de reagir às exigências do mundo exterior, como erros graves, o que é inadmissível nessa fase infantil. Se assim fosse, seríamos levados a suspeitar de qualquer ação que denotasse a menor sombra de falha, obrigando-a a ser um organismo incapaz de reação. Mesmo porque, não devemos esquecer que certas expressões da criança demonstram profundos conflitos vividos no ambiente doméstico, como resultante da falta de equilíbrio na relação entre os pais.

Em certos lares, são eles os causadores dos problemas enfrentados pelos filhos, causando-lhes traumas e inquietações. Allan Kardec, o educador emérito, em nota à questão 917, de O Livro dos Espíritos, nos adverte a respeito dessa questão: [...] A educação, convenientemente entendida, constitui a chave do progresso moral. Quando se conhecer a arte de manejar os caracteres, como se conhece a de manejar as inteligências, conseguir-se-á corrigi-los [fazer homens de bem] do mesmo modo que se aprumam plantas novas. Essa arte,porém, exige muito tato, muita experiência e profunda observação. É grave erro pensar-se que, para exercê-la com proveito, baste o conhecimento da Ciência. Quem acompanhar, assim o filho do rico, como o do pobre, desde o instante do nascimento, e observar todas as influências perniciosas que sobre eles atuam, em consequência da fraqueza, da incúria e da ignorância dos que os dirigem, observando igualmente com quanta frequência falham os meios empregados para moralizá-los, não poderá espantar-se de encontrar pelo mundo tantas esquisitices. [...]4 (Grifo nosso.) Aconselha-nos Kardec, a estudar profundamente a natureza moral dos filhos, chegando-se “a modificá-la, como se modifica a inteligência pela instrução e o temperamento pela higiene”.5 Há, portanto, um terreno educativo acessível e que espera boa semeadura de nossa parte, sem deixar-nos abater pelos percalços que surjam no decorrer do plantio; quando alguém se convence de que tem filhos muito difíceis, aventura-se a torná-los piores do que o seriam com pais mais otimistas.

Para educá-los, pois, primeiramente, é imprescindível: a) atender às necessidades do desenvolvimento da criança, a fim de prover a plena realização de sua personalidade, em meio a uma atmosfera de segurança e de afeição, reconhecendo-se, entretanto, que os filhos são pessoas diferentes e que os seus interesses nem sempre coincidem com os nossos; as uniformidades de gostos, as aptidões, as tendências variam de acordo com a natureza dos Espíritos reencarnados; b) observar reações que comandam os comportamentos e atitudes, mas lembrando, sempre, que as crianças, por sua própria natureza, estão em contínua transformação; a experiência de conhecermos empiricamente os nossos filhos, a partir de vivências significativas que estimulem nossos objetivos educacionais, permite projetar luz sobre os problemas comportamentais que apresentem; c) conviver em frequente contato com os filhos, desde o nascimento, oferecendo-lhes segurança emocional e alegria de viver; “[...] Observar cada filho com cuidado, a fim de descobrir-lhe o nível espiritual em que se encontra,suas aspirações e possibilidades, é dever impostergável dos pais, que não pode ser transferido para funcionários remunerados”;6 d) estruturar a família em clima de entendimento, amparando-se mutuamente, sobretudo nas horas de maior rebeldia por parte daqueles filhos que demonstrem excessiva agressividade e intolerância, sem aceitar a ajuda que lhes é oferecida. E, concorde com as palavras de Emmanuel sobre o filho-problema, “[...] Longe ou perto dele [...] ampara-o com a tua prece, estendendo-lhe apoio e inspiração pelas vias da alma”.7

São eles os companheiros indispensáveis que retornam para o engrandecimento de nossa atual reencarnação. Para amá-los, sigamos as inestimáveis lições proporcionadas pela Doutrina Espírita e pelo Evangelho de Jesus.

Referências:

1XAVIER, Francisco C. Encontro marcado. Pelo Espírito Emmanuel. 13. ed. 1. reimp. Rio de Janeiro: FEB, 2009. Cap. 34, p. 142.
2______. Obreiros da vida eterna. Pelo Espírito André Luiz. 33. ed. 3. reimp. Rio de Janeiro: FEB, 2010. Cap. 2, p. 43-44.
3KARDEC, Allan. O livro dos espíritos. Trad. Guillon Ribeiro. 91. ed. 2. reimp. Rio de Janeiro: FEB, 2010. Q. 383.
4______. ______. Comentário de Kardec à q. 917.
5______. ______. Q. 872, p. 447-451. 6FRANCO, Divaldo P. Constelação familiar. Pelo Espírito Joanna de Ângelis. Salvador: LEAL, 2008. Cap. 17, “Relacionamentos familiares”, p. 109-113.
7XAVIER, Francisco C. Encontro marcado. Pelo Espírito Emmanuel. 13. ed. 1. reimp. Rio de Janeiro: FEB, 2009. Cap. 34, p. 142.

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